THAÍS DE GODOY GUIMARÃES
Bacharela em Direito
- Emenda Constitucional.
Segundo Oscar Joseph de Plácido e Silva, Emenda Constitucional:
“Designa tanto o processo como o resultado da atividade do poder constituinte de reformar a Constituição. A CF/88 denomina emenda constitucional ao processo comum de reforma, previsto no art. 60, dando o nome de revisão à reforma que se refere o art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”[1]
- Tramitação da Proposta de Emenda Constitucional.
À luz do artigo 60 da Constituição Federal, é possível conhecermos os caminhos cuja proposta de emenda constitucional necessita percorrer.
Primeiramente, nos incisos I, II e III, do artigo supracitado, coube ao legislador elencar os detentores de legitimidade para apresentar a proposta de emenda constitucional, qual sejam:
“I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.”
Em segundo lugar, o legislador alicerçou nos parágrafos segundo e terceiro do mesmo artigo, o itinerário a ser perpassado pela PEC, qual seja:
“§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
- 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.”
Aprovada integralmente pelo Senado, o que implica dizer que a Casa não propôs alterações ou mesmo não a rejeitou, a PEC será promulgada, em sessão no Congresso Nacional, pelo Presidente da República e entrará em vigor.
- Sobre a PEC 32/2020 e suas implicações no que tange aos servidores devidamente empossados.
Conhecida como “Reforma Administrativa” ou “Nova Administração Pública”, a PEC nº 32 do ano de 2020 (Proposta de Emenda à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), foi apresentada no dia 03 de Setembro de 2020, mediante proposta do Poder Executivo, sob o escopo de alterar disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa.
Inicialmente cumpre destacar quais são as pretensões da referida proposta:
“Apesar de contar com uma força de trabalho profissional e altamente qualificada, a percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, é a de que o Estado custa muito, mas entrega pouco. O país enfrenta, nesse sentido, o desafio de evitar um duplo colapso: na prestação de serviços para a população e no orçamento público. A estrutura complexa e pouco flexível da gestão de pessoas no serviço público brasileiro torna extremamente difícil a sua adaptação e a implantação de soluções rápidas, tão necessárias no mundo atual, caraterizado por um processo de constante e acelerada transformação. Torna-se imperativo, portanto, pensar em um novo modelo de serviço público, capaz de enfrentar os desafios do futuro e entregar serviços de qualidade para a população brasileira.
Neste contexto, a proposta de Emenda à Constituição aqui apresentada, que possui como público-alvo não só a Administração Pública como todo seu corpo de servidores, se insere em um escopo maior de transformação do Estado, que pretende trazer mais agilidade e eficiência aos serviços oferecidos pelo governo, sendo o primeiro passo em uma alteração maior do arcabouço legal brasileiro.”
Assinala ainda que:
“O novo serviço público que se pretende implementar será baseado em quatro princípios: a) foco em servir: consciência de que a razão de existir do governo é servir aos brasileiros; b) valorização das pessoas: reconhecimento justo dos servidores, com foco no seu desenvolvimento efetivo; c) agilidade e inovação: gestão de pessoas adaptável e conectada com as melhores práticas mundiais; e d) eficiência e racionalidade: alcance de melhores resultados, em menos tempo e com menores custos.”
Evidencia-se a partir do texto da referida proposta, uma aparente preocupação do poder executivo no que tange ao orçamento público com gastos relativos à força de trabalho profissional, bem como a preocupação com a qualidade da prestação do serviço entregue a população.
No viés da temática, é indispensável levar à pauta discussões e questionamentos acerca das condições salariais.
No que tange a investidura no serviço público, não é possível vislumbrar grandes expectativas com relação ao salário de ingresso dos novos funcionários e nesse contexto, os atuais servidores não serão diretamente afetados.
Contudo, é fulcral alinharmos o novo paradigma idealizado pela PEC nº 32/2020 e todas as inovações que ela propõe à questão dos reajustes salariais.
Nesse ponto, caso fosse implementada, a PEC nº 32/2020, certamente deflagraria efeitos limitadores que afetariam o futuro do cenário remuneratório, caso em que seria instrumento de congelamento salarial, o que importaria em sérios prejuízos aos novos e antigos servidores públicos.
III.I. Estabilidade.
No tocante à estabilidade dos servidores estáveis, a PEC nº 32/2020 inova:
“Com vistas à garantia de eficiência da gestão pública, os servidores estáveis ocupantes de cargo típico de Estado só poderão perder o cargo público em virtude de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; mediante processo administrativo, assegurado ao servidor ampla defesa; ou mediante avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, assegurada a ampla defesa. Mesmos critérios serão aplicados aos servidores que já adquiriram estabilidade no serviço público. A gestão de desempenho e as condições de perda dos demais vínculos e cargos públicos serão estabelecidas em lei. Reservar a regulamentação desses temas para lei implica desconstitucionalizar a matéria e conferir maior autonomia ao legislador.”
Certo é que a atual redação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe em seu artigo 41, parágrafo primeiro, incisos I, II e III as hipóteses de perda do cargo do servidor público:
“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
- 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.”
É flagrante o empenhamento da proposta em ampliar as condições para a perda do cargo público, uma vez que ela acrescenta ao inciso I, do parágrafo primeiro, do artigo supracitado a possibilidade de perda do cargo, em razão de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado, violando, a exemplo, o princípio da ampla defesa, uma vez que dessa decisão é cabível recurso.
No que tange à gestão de desempenho e as condições de perda dos demais vínculos e cargos públicos, a PEC nº 32/2020, incluiu no texto constitucional, o termo “na forma da lei”, o que implica dizer que a matéria passaria a ser regulamentada por Lei Ordinária e não mais por Lei Complementar.
Desse modo, a manutenção do serviço público é preocupação tangível para além dos novos servidores.
III.II. Extinção de cargos.
Da análise do texto da PEC nº 32/2020, se observa a indubitável manobra do Poder Executivo de travestir a real intenção, por trás do discurso de “dotar a Administração pública de mecanismos de gestão mais modernos e flexíveis”, para com isso, promover a modificação do texto constitucional, no sentido de possibilitar, por exemplo, que o Presidente da República, possa mediante Decreto, “extinguir cargos de Ministro de Estado, cargos comissionados, cargos de liderança e assessoramento e funções, ocupados ou vagos.”
É certo que as consequências das alterações perpetradas pela Proposta de Emenda à Constituição não estariam adstritas apenas aos novos servidores públicos, mas a toda classe.
III.III. A carreira do servidor público.
A leitura do corpo do texto da proposta, não nos fornece margem à dúvida. É evidente a pretensão do poder executivo de desbaratar a carreira do servidor público. Tal postura se depreende a partir da proposta de inclusão do inciso XXIII, ao artigo 37 da Constituição Federal. Vejamos:
“XXIII – é vedada a concessão a qualquer servidor ou empregado da administração pública direta ou de autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista de:
- a) férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano;
- b) adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada;
- c) aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
- d) licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação;
- e) redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde, conforme previsto em lei;
- f) aposentadoria compulsória como modalidade de punição;
- g) adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento;
- h) progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço;
- i) parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para os empregados de empresas estatais, ou sem a caracterização de despesa diretamente decorrente do desempenho de atividades; e
- j) a incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente.”
No tocante às indubitáveis vedações contidas no dispositivo supracitado, cumpre enfatizar, particularmente, a vedação da progressão ou promoção baseadas em tempo de serviço. Insta destacar, que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 93, II, explicitou os critérios para a promoção na magistratura, quais sejam, os da antiguidade e merecimento. Vejamos:
“promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas.”
Desse modo, resta evidente que à vedação contida no dispositivo criado pela Proposta de Emenda, cabe a interpretação análoga a do dispositivo Constitucional acima mencionado.
A prevalência do preceito legal contido no inciso XXIII, alínea H, idealizado pela PEC nº 32/2020, ocasionaria a supressão do magnificente princípio constitucional da isonomia.
Neste diapasão, não existe espaço na Constituição Federal, para a prevalência de tratamento desigual, de modo que, “todos são iguais perante a lei, em virtude do que, indistintamente e em igualdade de condições, todos serão submetidos às mesmas regras jurídicas.”[2]
Ainda com relação a carreira dos servidores públicos, a PEC nº 32/2020 promoveu a inclusão do parágrafo 6º no artigo 37 da Constituição Federal, in verbis:
“Os afastamentos e as licenças do servidor não poderão ser consideradas para fins de percepção de remuneração de cargo em comissão ou de liderança e assessoramento, função de confiança, gratificação de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias ou qualquer parcela que não tenha caráter permanente.”
A par do exposto, a inovação submeterá ao seu crivo, todas as hipóteses de afastamentos e licenças, elencadas nos Capítulos IV e V da Lei nº 8112 de 11 de Dezembro de 1990.
Nessa conjuntura, é imperativo destacar a Licença por Motivo de Doença em pessoa da família, sem, contudo, excluir a importância das demais licenças e afastamentos.
O artigo 83 da Lei 8.112/90, estabelece que:
“Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial.’
A efeito do novo dispositivo instituído pela Proposta, a manutenção da percepção da remuneração de cargo em comissão ou de liderança e assessoramento, função de confiança, gratificação de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias ou qualquer parcela que não tenha caráter permanente, restaria frustrada, mesmo diante de uma situação de notável condição que justifique a ausência do servidor público do seu trabalho.
Sobre tal perspectiva, vale dizer que a articulação do novo dispositivo é censurável e sua aplicação conduziria resultados que ensejariam inevitável prejuízo para os servidores públicos.
- Atual situação da tramitação da PEC nº 32/2020.
A Proposta de Emenda Constitucional nº 32 de 2020, encontra-se na fase inicial de tramitação.
Nessa esteira, a presente Proposta foi apresentada à Câmara dos Deputados e deverá ser encaminhada à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), à Comissão de Finanças e Tributação e à Comissões de mérito a que a matéria estiver afeta, nos termos do artigo 53 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, antes de seguir para o plenário da Casa.
Destaca-se a importância da CCJ ou CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), uma vez que ela analisa a constitucionalidade da proposta, bem como, sua legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, cujo parecer possui caráter terminativo.
Concernente ao momento da apresentação da proposta e ao atual momento pelo qual o país está subjugado, qual seja, sob estado de calamidade pública, decorrente da pandemia pela Covid-19, o julgamento da PEC nº 32/2020 não possui previsão para a sua conclusão.
Referências Bibliográficas:
Silva, De Plácido e.Vocabulário Jurídico. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003.
Câmara. PEC Nº 32, DE 03 DE OUTUBRO DE 2020. Projetos de Lei e Outras Proposições, Brasília, DF, out 2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083>. Acesso em: 23 out. 2020.
[1] Silva, De Plácido e.Vocabulário Jurídico. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.517.
[2] Silva, De Plácido e.Vocabulário Jurídico. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.780.