Notícias publicadas no jornal “Folha de S. Paulo” apontam que o gasto do Judiciário com a folha de pagamento cresceu 11% nos últimos três anos em plena crise e houve o descumprimento do Teto de Gastos neste ano; isso se repetirá nos seguintes, inviabilizando o Projeto NS, que eleva para superior o requisito de escolaridade ao ingresso no cargo de técnico, carreira de nível médio
Anajus Notícias / Editorial
17/09/2019
Notícias recentes publicadas na mídia nacional mostram que não cabe, na conta do Poder Judiciário da União (PJU), o Projeto NS (nível superior para técnicos judiciários de nível médio), mais conhecido como ‘trem-bala da alegria’.
Banners na internet e faixas estendidas durante o protesto organizado para marcar a posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, no dia 13 de setembro, evidenciaram que essa é a principal reivindicação da Fenajufe (Federação dos Trabalhadores no Judiciário Federal e no Ministério Público da União), composta majoritariamente por técnicos.
O PJU já está no fio da navalha com a elevação de despesas com a folha de salários, situação que pode ser agravada com o efeito cascata do aumento proposto aos 11 ministros do STF para ser incluído no projeto da Lei Orçamentária Anual de 2019.
Segundo dados do Tesouro Nacional, o Judiciário ampliou seus desembolsos em 8,8% no primeiro semestre deste ano. A variação é mais alta que os 7,2% permitidos pela Emenda do Teto de Gastos para 2018.
“Uma reversão do quadro não é fácil, já que os órgãos da Justiça comprometem mais de 80% das despesas sujeitas ao teto com salários e encargos sociais, que não podem ser simplesmente cortados”, informa notícia publicada no jornal “Folha de S. Paulo”.
Em outra reportagem, o jornal aponta que a elevação de despesas com funcionalismo afeta o Poder Judiciário como um todo nos Estados e na União: a folha de salários cresceu 11% (ou R$ 8,1 bilhões) de 2014, ano que marca o início da crise econômica, a 2017. “No mesmo período, a economia do país se retraiu 5,6%”, compara o jornal, levando em conta dados do relatório Justiça em Números 2018, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Se a pressão da Fenajufe e dos sindicatos associados tiver êxito, o STF enviará um projeto de lei ao Congresso para elevar o requisito de escolaridade para técnicos exigido nos concursos públicos. Caso prospere no parlamento e for acatado pelo presidente da República, isso vai gerar um efeito cascata com forte rombo nas contas públicas também dos Estados, tendendo a se ampliar para outras organizações do poder público da União.
Além disso, o fim do cargo de nível médio no Judiciário impedirá o acesso ao funcionalismo a significativa parcela da população. Afinal, apenas 15% dos brasileiros entre 24 anos e 35 anos detêm curso superior. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgada em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Economia cara
Em cartilha distribuída no aeroporto de Brasília aos convidados para a posse do novo presidente do STF, os manifestantes pró-NS apontam que a proposta vai significar “economia para os cofres públicos”. Balela. Ao propor mudar o nível de escolaridade dos técnicos só para os novos concursos, os defensores escondem o real propósito de aproximar ou equiparar seus vencimentos aos dos analistas judiciários de nível superior. Para ler a cartilha, clique aqui.
Deve-se ressaltar que a alegação representa a defesa de uma economia contraditoriamente cara. Pelas contas da Anajus, o impacto da mudança da escolaridade será bilionária, porque dará aos técnicos margem para pleitear administrativamente, junto ao STF e ao governo federal, nos próximos planos de reajuste salarial, a (quase)equiparação salarial dos cargos de técnicos com os de analistas de nível superior.
Essa movimentação dos técnicos é amparada no parágrafo 1º do Artigo 39 da Constituição Federal: “A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:
I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II – os requisitos para a investidura;
III – as peculiaridades dos cargos.
No caso, o Projeto NS destina-se a alterar um dos requisitos de investidura no cargo, o de escolaridade, o que reforçaria a pressão pela elevação do patamar remuneratório do técnico. Não há hoje argumentos para defender essa proposta, pois os técnicos judiciários representam um dos cargos de nível médio mais bem remunerados do funcionalismo federal.
O ‘esqueleto’ do desvio de função
Hoje, há técnicos em desvio de função nos órgãos do PJU. A situação das contas públicas se agravaria, se ambos cargos – técnicos e analistas – passarem a ter o mesmo nível de escolaridade, pois reforçará a pressão por melhorias salariais.
Também sem sentido é a alegação feita pelos técnicos de que o cargo deles está em vias de extinção. Ao contrário disso, cada vez mais o Judiciário faz concursos para contratar mais técnicos do que analistas. Assim, a administração pública se utiliza do desvio de função para a realização das tarefas de nível superior cuja demanda não tem como ser atualmente atendida pelo número escasso de analistas. Isso ameaça a qualidade dos serviços prestados à população e o reequilíbrio das contas públicas, no caso de se conceder aos técnicos o ‘trem da alegria’ por eles tão cobiçado.
Ao permitir, incentivar e consolidar o desvio de função, o Judiciário carimba a criação de mais um ‘esqueleto’ com forte potencial de deteriorar as contas públicas. O que popularmente se chama de ‘esqueleto’, na literatura econômica, é o gasto que está adormecido no armário e entra em cena como vultosa despesa excepcional quando alguém joga luz sobre ela por meio de ações judiciais ou administrativas.
Tudo isso é chancelado e promovido pela própria administração pública, que se beneficia ilicitamente do desvio de função, ao contratar menos analistas do que o necessário para dar conta das tarefas de nível superior e, para compensar, utiliza-se massivamente da mão de obra mais barata dos técnicos para a realização dessas tarefas, que deveriam estar sendo desempenhadas pelos analistas.
A saída é a administração pública contratar mais analistas para coibir o desvio de função que ela mesma promove. Assim, a solução é a administração ir, ao longo dos anos, extinguindo os cargos de técnico que forem naturalmente vagando (mediante aposentadoria etc.) para criar, sem nenhum aumento de despesa, novos cargos de analista, até o quadro de analistas alcançar quantitativo suficiente para satisfazer a demanda de tarefas de nível superior.
Remunerações e limites
Vale lembrar que a categoria dos técnicos judiciários é uma das carreiras de nível médio mais bem remuneradas na esfera federal, enquanto o analista está entre os cargos de nível superior de mais baixa remuneração
Não há cobertor para cobrir a pretensão da Fenajufe. Para 2019, no PJU, haverá um crescimento de 4,82% em relação ao orçamento de 2018, para atingir um total de R$ 49,9 bilhões. Só com pessoal o aumento ficou em 8,29%.
De acordo com o CNJ, o montante da proposta foi atingido graças ao incremento de R$ 2,9 bilhões, por compensação pelo Poder Executivo com igual redução nas suas despesas. Essa possibilidade foi autorizada pela Emenda Constitucional 95/2016, a do Teto dos Gastos, para os três primeiros anos de vigência do novo regime fiscal (2017, 2018 e 2019). Mas o Conselho alerta: “A partir do exercício de 2020, o Judiciário contará apenas com o limite calculado na forma dessa emenda, ou seja, as despesas pagas em 2016 corrigidas pela variação do IPCA [índice que mede a inflação]”.
Mobilização pelo concurso
Outras organizações de servidores públicos tentam aprovar novos ‘trens da alegria’, em total desrespeito ao mecanismo democrático do concurso público. Foi o que aconteceu em 2017, quando tentaram elevar o requisito de escolaridade do cargo de técnico do Banco Central para nível superior, colocando essa proposta numa medida provisória que tratava de outro assunto, manobra chamada de “jabuti” e tida por inconstitucional.
Segundo Lucieni Pereira, presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), uma das mais ferrenhas críticas às reivindicações do pessoal do BC, informou que, em 2016, a União gastou R$ 225 bilhões de despesa com pessoal de todos os Poderes, frente a uma arrecadação de R$ 722 bilhões. Com o novo regime fiscal do Teto de Gastos, que impõe restrições a políticas públicas essenciais aos cidadãos, não há espaço para ser leniente com ‘trem da alegria’ e propostas para pavimentar caminhos de pressões políticas a equiparações salariais incompatíveis.
“É preciso ser coerente no discurso, não basta apenas dizer que saúde, educação, segurança pública e saneamento básico são políticas importantes para os cidadãos, é preciso que todos se mobilizem para que sejam observadas as regras e princípios constitucionais com vistas a assegurar não apenas o cumprimento da regra do concurso público específico, mas, sobretudo, uma equação ajustada e realista entre a complexidade das atribuições, as responsabilidades exigidas dos cargos e a remuneração percebida pelos agentes que ocupam”, reforça a presidente da ANTC.
Manifestações semelhantes encontram eco entre os congressistas e reforçam o fato que a Anajus não está só nessa luta.